Vamos falar um pouquinho sobre o lado "B" do Mundo...Sim, o lado "B", pois vivemos tão focados em nosso próprio Mundo, o lado "A", que por vezes não nos damos conta de que a vida também acontece lá fora...E para quem assiste noticiário, claro, fica sabendo de alguma coisa, aquelas, calamidades que acontecem de vez em quando...Que chocam e chamam atenção, e fazem o ser humano ter vontade de ser solicito e mudar...Por alguns instantes...Todos idealizam um mundo melhor, com pessoas melhores, valores íntegros e conduta moral dígna...Mas, me diga, hoje, você se recorda, ou, por acaso, você faz idéia, de quantas pessoas no mundo sofrem, por exemplo, de, estupro coletivo??? Pois é, vou contar uma terrível e emocionante história, a história de pessoas como dona Marie:
O LRA (Lord's Resistence Army- Exército do Senhor), que é um grupo de rebeldes do governo ugandês que promove vários ataques na fronteira entre o Burundi e o Congo, ataca pessoas como a dona Marie. Essas pessoas atacadas não falam nem a mesma língua, não sabem por que o exército e os rebeldes ugandenses atacam suas comunidades. Lá não existe televisão, não existe internet, não existe rádio, então elas não têm noção de que existe um conflito armado, muito menos que elas estão sendo alvos de um conflito armado. A cidade, Niangara, é considerada o coração da África. Tem inclusive uma pilastra que diz: “Você chegou ao coração da África. Os rebeldes chegavam nessas comunidades próximas a Niangara, onde as pessoas moram em casas de barro com palha. Os rebeldes jogam fogo nas casas durante a noite e, quando as pessoas estão saindo, eles atiram com aquelas Kalashnikov, que são metralhadoras que não travam. Então eles podem matar muitas pessoas ao mesmo tempo. Alguns morrem queimados, outros morrem de tiros, outros morrem degolados. Outros ainda morrem de hemorragia, porque eles cortam as cartilagens com faca: as orelhas, a ponta do nariz, os lábios. E muitas meninas e mulheres morrem de estupro, de hemorragia após o estupro. Porque os estupros são coletivos. De 30 a 40 homens estupram uma única mulher. Eles fazem os maridos e os filhos segurarem a mulher enquanto os homens estupram em massa. São requintes de crueldade impressionantes. Essa mamãe Marie nos tocou muito – eu digo mamãe porque lá todo mundo se chama de mamãe, todo mundo que é mulher se chama mamãe alguma coisa, e homem se chama papai alguma coisa. É um título de respeito. Marie estava desesperada. Uma mulher muito magra, alta, com a roupa completamente rasgada – porque eles estão sempre com um pedaço de pano amarrado nas pernas para fazer uma saia, um outro amarrado em cima para fazer uma blusa, e normalmente um terceiro para amarrar um bebê. Todos da mesma cor. E ela chegou muito rasgada. E ela disse: “Eu não tenho nenhum motivo para viver, Ela morava com seis filhos e o marido. Quando um dos filhos estava saindo do le marché (pequenas feiras no meio da rua), alguém gritou: “Corre, porque acabaram de matar teu marido na estrada”. E ela disse: “Como assim, mataram meu marido?”. E disseram: “Os LRA encontraram teu marido na estrada e mataram. Corre do povoado porque eles vão matar todo mundo”. Ela falou: “Mas eu tenho seis filhos dentro de casa...” E aí ela voltou para a sua comunidade, com seu bebezinho amarrado na cintura, e pegou os filhos. E saiu correndo para o meio da floresta, que é mata fechada. Só que no meio do caminho ela percebeu que estava com cinco crianças. Faltava a de dois aninhos. Ela deixou os filhos na floresta e correu de volta para casa com seu bebê amarradinho. E viu a pequenininha dentro de casa, queimando, junto com todas as coisas. Desesperada ela correu para buscar os outros que estavam no meio da floresta e caminhou durante muitos dias dentro da mata fechada com as cinco crianças, sabendo que o marido já tinha morrido, para conseguir ajuda. E aí conseguiu chegar a outro povoado, que era onde morava a mãe dela. E, alguns dias depois, o LRA alcançou essa comunidade e ela sofreu um estupro coletivo. Dezenas de homens a estupraram. E depois mataram dois dos filhos dela. Mamãe Marie seguiu fugindo, mas a cada ataque foi diminuindo o número de filhos dela. Quando ela chegou a Niangara ela tinha apenas um bebê, que era o que estava amarrado na cintura. E ela disse: “Eu não tenho nenhuma razão para viver”.
De seus filhos, uma menina que não havia morrido, foi sequestrada. É muito comum sequestrarem meninos e meninas. As meninas são escravas sexuais. Durante todo o tempo em que estão sequestradas elas se deslocam na floresta junto com os guerrilheiros. E os meninos são sequestrados para carregar as armas e os roubos em grandes balaios sobre a cabeça. Os guerrilheiros saqueiam as comunidades, queimam as casas, atiram nas pessoas. Isto tudo é uma forma de demonstrar poder diante do governo congolês, que se posicionou contra essa força armada ugandesa. Porque até então os congoleses não tinham sido alvos dos guerrilheiros ugandenses. Mas a partir do momento em que o governo congolês se posicionou contra esse tipo de conflito, eles começaram a atacar as comunidades. Mas não existe informação. Então as pessoas são atacadas sem saber por quê. Mamãe Marie dizia: “Não sei, não sei quem são essas pessoas, eu não sei por que fui atacada, não sei por que eles mataram meu marido, por que mataram meus filhos. Só sei que eu não tenho nenhuma razão para estar viva. Eu não tenho nada. Eu tenho um bebê. E vou cuidar como desse bebê se eu não tenho como trabalhar?”. É uma comunidade que vive de trocas. Não há dinheiro. Então você troca serviços para poder viver. Mas você vai trocar o que quando você não tem nada? Eles vivem de plantar coisas na floresta. Desmatam uma parte da floresta, plantam e aí aquilo ali serve de troca no mercado. Só que quando você não tem mais sua terra, você vai fazer o quê?
Onde ela vai dormir agora? O que ela pode comer? Onde ela pode se vestir? Nesse lugar a postura e a forma de se vestir são muito importantes. Para você ter uma ideia, as pessoas entram no rio antes de irem para o hospital: lavam todas as roupas, colocam na margem do outro lado e ficam nuas dentro do rio esperando secar, porque só têm uma peça de roupa. Quando as roupas secam, elas saem do rio, vestem e só então vão ao hospital. Mesmo depois de um estupro, depois de terem sido baleadas, depois de terem sido mutiladas. Elas têm uma preocupação em chegar limpas e a vestimenta é importante.
Uma pergunta foi feita a mamãe Marie, se ela lembrava a última vez que havia sido feliz, E ela disse: “Hoje eu não lembro, mas eu vou tentar me lembrar”.
Normalmente depois de um estupro, no Congo, uma mulher não pode mais casar. Não tem mais o direito de casar porque ela não é mais virgem e porque ela já teve a sua primeira experiência. Então ela é alguém que está “suja”.
As histórias são muito doídas. Alguém que entra dentro de você, "sem que você permita", é alguém que te invade, te dilacera. Como elas mesmas dizem por la: “O meu braço, você pode quebrar, ele vai se reconstituir. Mas por você ter entrado dentro de mim, eu nunca vou poder te tirar”. E essa é uma dor muito forte. Pelos estupros serem coletivos, as mulheres têm fístulas depois. O canal da vagina e do ânus viram um canal só. Então você não consegue mais conter nem sua própria urina nem suas fezes. Você está andando na rua e sente que sua urina está saindo. É muito triste. E há ainda a vergonha de ir a um espaço público, por exemplo. Elas vão ao hospital e não querem sentar na cadeira. Você diz para elas: pode sentar! “Mas eu não quero...” Elas não se sentavam porque tinham medo de urinar ou de defecar em cima da cadeira, porque elas não conseguem sentir quando vai sair... Uma delas contou que ficam de um a dois dias sem comer nem beber nada antes de ir a uma consulta, para não fazer "xixi nem cocô" dentro do hospital, ou dentro da estrutura de saúde. Você imagina o sofrimento de alguém que, a cada vez que tem de ir a um espaço coletivo não pode comer nem beber um ou dois dias antes? É muito sofrimento.
Uma Missão dos Médicos sem Fronteira, chegou até la, com um solicita psicologa, que atravez de terapia de grupo, conseguiu de alguma forma mudar a vida dessas mulheres e de mamãe Marie, que após algum tempo conseguiu lembrar que a última vez que havia estado feliz foi quando dançou...Um grupo terapeutico de dança foi montado então, algumas outras mulheres acolheram Marie em sua casa, ou melhor, em seu cômodo, do tamanho de um banheiro, onde não ha divisão, todos ficam juntos, mas naquele momento havia amor...Um trabalho de conscientização foi feito naquela comunidade, onde osconceitos dos homens de que mulheres estupradas eram sujas, foi quebrado...Jornalistas fizeram denúncias e os acontecimentos foram divulgados, algum tempo depois, essas mulheres vítimas de estupros estavam todas casadas e com uma nova família. Elas precisam de paz. Não existe saúde, não existe felicidade num lugar onde você não tem paz, o princípio básico da humanidade. E elas reinventaram a vida, em uma nova comunidade, com novas pessoas, de um novo jeito, reinventaram uma forma de viver.
Não se sabe até que ponto os ataques desses grupos de terroristas diminuiram ou acabaram...Não se sabe se a árvore vai crescer, apenas que a semente foi plantada, e para essa psicologa, não importa se ela conseguiu faze-las felizes por apenas algum período...Mas sim, que ela fez a sua parte, e que de alguma maneira, mudou a história de mulheres e homens daquela comunidade.
É apenas uma história dentre milhões das que acontecem diariamente pelo mundo...E não se enganem com as grandes potências...Elas também são cruéis e sofrem crueldades...Afinal estamos todos em um mundo de provas e expiações...Não ha paraíso...Por isso, amemos nossa terra, amemos nosso Brasil, brava gente...Esta psicologa, é Brasileira, do Sul do país, e dedica a vida a amar ao próximo, seu salário?? Menor do que o que ela deixou aqui no Brasil...
Ama teu próximo com a ti mesmo...
Fonte de Pesquisa: Revista Época 25.04.2011
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