O caso da menina de 9 anos de Alagoinha (PE), que, vítima de estupro pelo padastro, ficou grávida de gêmeos e acabou abortando os bebês, na 22ª semana de gestação, mais uma vez gerou debate sobre a questão do aborto em nosso País. Como poderia uma menina ser mãe aos 9 anos? E ainda vítima de abuso sexual? Seria possível conviver com aqueles bebês após todo o processo traumático vivenciado?
O endocrinologista Jorge Daher,membro da Associação Médico-Espírita de Goiás (AME-GO), analisa o caso: “O que temos certeza é que, se ela engravidou, o processo de puberdade se completou, ou seja, o eixo hipotálamo-hipófise-ovários já estava sem qualquer frenação e com a secreção pulsátil, o que permitiu a ovulação. O útero, se permitiu a nidação, também já tinha sofrido estímulo suficiente para aumento de seu volume e espessamento do endométrio. Sabemos que, quanto mais precocemente se iniciam os estímulos, maiores são as probabilidades de se desenvolver puberdade precoce. Por isso, crianças que sofreram abuso sexual tendem a entrar em puberdade precoce”, explica.“Minha experiência de 34 anos na Pediatria mostra que cada caso é um caso. Se me perguntarem se o aparelho reprodutor de uma criança de 9 anos está pronto para a maternidade vou dizer que ele ainda está em desenvolvimento, claro. Mas, no caso da menina de Alagoinha, a Sociedade Brasileira de Pediatria ainda não se manifestou, o que dificulta alguma avaliação”, afirma a pediatra Jandyra Loos, vice-presidente da Associação Médico-Espírita Carioca, que endossa a afirmação de Daher sobre a estimulação e o desenvolvimento da puberdade precoce. “O que precisamos ter em mente é que toda gestação segura implica um programa correto de consultas e exames realizados de rotina durante esse período”, alerta. Opção pela vida da mãe, o que fazer, então, em um caso como esse? É muito claro, para qualquer um, que a vida da gestante tem prioridade sobre a dos fetos, pois a deles só é viável se a dela estiver segura. Na questão 359 de O Livro dos Espíritos, os mentores espirituais admitem o aborto quando há perigo iminente de morte para a gestante, pois somente nessa situação se justificaria a opção pela vida da mãe, em detrimento da do feto. “A polêmica se instala quando o risco presumido, mas não real, é alçado à categoria de fato, e passamos a orientar nossa conduta a partir daí. Haveria, no caso da menina de 9 anos, risco iminente de vida? Nós não tivemos acesso a todas as informações, mas tudo indica que não, apenas alguns presumíveis, principalmente, devido à gravidez gemelar e à idade da gestante”, analisa a presidente das Associações Médico-Espíritas do Brasil e Internacional Marlene Nobre. “A gestação da criança trazia risco potencial a ela, apenas provável, mas a intervenção foi por uma questão moral e não por questão unicamente técnica. O risco cardíaco que poderia se alegar, pelo fato da sobrecarga causada pela gestação, por si não era absoluto, nem mesmo qualquer outro risco”, argumenta Daher.E o que a práxis médica tem demonstrado? No Peru, uma menina de 9 anos deu à luz a uma criança; no Brasil, outras de 10 anos também tiveram filhos. “É escabroso? Sim, sem dúvida, mas infelizmente faz parte da dura realidade da vida terrena”, afirma Marlene. “Vida é uma questão sagrada. Se me pedissem que receitasse o remédio com a finalidade de praticar o abortamento, alegaria questão de consciência e não receitaria. Tenho esse direito garantido pelo Conselho Federal de Medicina. Se fosse incumbida de cuidar da pequena gestante, a internaria, junto com sua mãe, em uma instituição de saúde, garantiria a ela assistência completa, passaria a monitorar com segurança suas condições físicas, contando com os recursos atuais para um pré-natal de risco, daria a ela o acompanhamento psicológico necessário, e só iria interferir quando os dados clínicos demonstrassem que ela corria risco iminente de vida. Não se pode prever até onde a gestação chegaria. Poderia ocorrer o abortamento espontâneo e, neste caso, os riscos para a gestante seriam menores do que aqueles que ela correu com o produto químico que tomou para abortar. Pode ser também que os fetos ultrapassassem 22 semanas de gestação e pudessem ser retirados por cesariana”, analisa Marlene. De acordo com o cirurgião e membro da AME-Brasil Décio Iandoli Jr., revolta e reações de acolhimento podem nos fazer esquecer que a violência da qual a menina de Alagoinhas foi vítima gerou mais duas vítimas que, como ela, precisam de proteção e acolhimento, mesmo caso da mulher vítima de violência sexual seguida de gravidez, em que a vítima não é apenas ela, mas também o ser encarnado que foi viabilizado pela agressão. “Não estou tentando emitir juízo, muito menos condenação, mas avaliando a situação de forma racional e lógica, otimizando os conceitos da ciência e do Espiritismo para a melhor análise, tentando evitar uma reação emocional, instintiva”, pondera.Iandoli Jr. lembra que a Medicina já estabeleceu as características de uma entidade clínica chamada “síndrome pós-traumática” e que as mulheres que praticaram o aborto são vítimas desta doença, agravando a médio e longo prazos sua condição de saúde psíquica. “Nas vítimas de estupro, o aborto só pode amplificar a gravidade da síndrome pós-traumática desencadeada pela agressão sexual (uma violência em cima de outra). Se o estrago em uma mulher adulta já é grande, o que podemos esperar em uma criança? Sejamos racionais e deixemos de transferir a culpa de atos escabrosos para inocentes, pois, além de não resolvermos o problema, geramos mais dor e mais injustiça. Devemos atacar o problema na sua base, nas suas causas reais com educação e assistência médica e psicológica, e vamos promover o cuidado com competência e amor”, afirma o cirurgião.Descaso com a educação“É natural que a gente se sinta mal ao tomar conhecimento de um caso doloroso como esse, principalmente porque ele põe a descoberto o mau exemplo do nosso País no campo da pedofilia e do abuso de crianças no recesso do lar. Embora estes sejam descalabros mundiais, aqui, no Brasil, apresentam-se muito agravados em virtude do descaso a que é relegada a educação. Ao tratar da questão da gravidez dessa menina não vi, em nenhum momento, a mídia e nenhuma fatia da sociedade ou formadores de opinião chamarem a atenção para o problema crucial nesse caso: a falência da educação no Brasil. Indignar-se matando crianças através do aborto, infelizmente, é o caminho mais curto que muitos elegeram como meio de aplacar a dor de consciência, mas que não resolve em nada o problema e só o agrava. É claro que somente a educação moral, conforme propõe Kardec, é que vai nos levar à verdadeira renovação espiritual, mas a instrução, por si só, já ajudaria e muito. Não iríamos resolver de imediato o problema do estupro ou da pedofilia, mas contribuiria em muito para a sua diminuição em um futuro próximo”, observa Marlene. “Resignação diante do que não pode ser mudado e ação para impedir que essas atrocidades continuem a ocorrer é o que está ao nosso alcance fazer, para que num futuro próximo, não tenhamos mais que discutir este assunto”, finaliza Iandoli Jr. Cláudia Santos
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